Quarta Turma do STJ decide que o rol de procedimentos da ANS é taxativo

Na sessão do dia 10.12.2019, ocorreu o julgamento do Recurso Especial n. 1.733.013/PR, oportunidade em que os Ministros da 4ª Turma do STJ negaram provimento ao recurso da beneficiária de um plano de saúde.

Na ação, a recorrente pediu o custeio de um procedimento cirúrgico não previsto no rol da ANS e também danos morais em razão do plano de saúde ter negado o procedimento indicado pelo seu médico assistente.

Após ouvir as sustentações orais do recorrido (o plano de saúde) e dos amicus curiae FENASAUDE e CONSELHO FEDERAL DA OAB, o Ministro Relator Luis Felipe Salomão proferiu seu voto.

O Ministro identificou duas questões controvertidas para exame:

1) O rol da ANS é taxativo ou exemplificativo?

2) Se houver recusa de custeio de procedimento fora do rol da ANS, há dano moral?

A fim de julgar o recurso e responder às perguntas o Relator ouviu diversos amicus curiae.

Em seu voto, o Ministro Relator reafirmou a necessidade de o STJ ter jurisprudência segura e previsível. No mais, ressaltou a necessidade da 4ª Turma enfrentar a questão da natureza do rol da ANS, eis que, até então, as decisões sobre o tema eram genéricas.

Ainda, o Ministro realçou a ideia do direito à saúde e seus limites pelas leis de regência: Código Civil (CC/02), Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei n. 9.656/98.

Mais adiante, o voto do Relator explicou que o modelo de assistência à saúde adotado no Brasil é de prestação compartilhada entre Poder Público e instituições privadas. Essa é a opção feita pela CF/88 que em seu art. 197 classificou as ações e serviços de saúde como de relevância publica, cabendo ao Poder Público dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e controle.

O Ministro relembrou que a escolha do constituinte se dá por questão pragmática que é a escassez de recursos necessários ao planejamento e gestão eficientes dos serviços e ações de saúde, orientada pelos princípios da gratuidade e integralidade.

Assim, ressaltou que o setor de saúde suplementar é fundamental para equacionamento do sistema e que a legislação estabeleceu a competência da ANS para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na lei, cabe verificar a conduta da recorrida com a legislação.

No mesmo diapasão, o Ministro mencionou o enunciado 21 do CNJ – 1ª jornada do Direito da Saúde que expõe que o rol é de cobertura obrigatória, ressalvadas as adicionais contratadas.

Ao tempo que a Resolução n. 439/18 ANS (art 2º) garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e reabilitação de todas as enfermidades que compõe a estatística internacional de doenças e problemas relacionados com a saúde; o seu art. 4º apresenta diretrizes técnicas relevantes de inegável e peculiar complexidade como a avaliação de tecnologias em saúde e a manutenção do equilíbrio econômico financeiro contrato.

O Ministro Relator ponderou que deixar ao talante do juiz a fixação desse rol ou a ampliação do rol feriria, ao menos, três desses princípios: utilização da avaliação de tecnologias em saúde, observância dos princípios da saúde baseada em evidências e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.

Segundo o voto, a ANS formula políticas o que decorre de expressa delegação de competência. A atualização do rol ocorre de forma rápida e dinâmica e que o rol mínimo é garantia do consumidor para assegurar direito à saúde com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, considerar o rol meramente exemplificativo negaria a existência de rol mínimo e negaria acesso à saúde suplementar à mais ampla faixa da população.

O Ministro, ainda, avaliou que seria forçoso reconhecer que o entendimento de que o rol é exemplificativo nega vigência aos dispositivos legais que estabelecem um plano básico de referência e a possibilidade de estabelecimento contratual de outras coberturas, efetivamente padronizando e restringindo a livre concorrência ao nitidamente estabelecer a mais ampla, indiscriminada e completa cobertura a todos os planos e seguros de saúde, o que nega vigência aos dispositivos mencionados.

Como consequência, os preços disparariam para se atingir a equação atuarial e grande camada da população seria excluída.

O Ministro relembra que o Poder Judiciário não pode se substituir ao legislador, violando a tripartição de poderes e suprimindo a competência legal da ANS ou mesmo efetuando juízos morais e éticos, não cabendo a imposição de próprios valores de forma a submeter o jurisdicionado a amplo subjetivismo do magistrado.

Ainda, afirma que o CDC não pode ser aplicado de forma insulada, alheia as normas especificas inerentes à relação contratual como estabelece o art. 35-G da Lei e Planos e Seguros de Saúde.

A consequência da forte intervenção estatal na relação contratual e a disposição do art. 197 da CF deixam límpido que o serviço é de relevância pública e que há preocupação com o equilíbrio financeiro atuarial dos prestadores do serviço, conforme exposto pelo Relator.

A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios na linha de que os estudos sobre contratos no Brasil vêm desenvolvendo os sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões.

Segundo o Relator, isso tem que ser observado quanto a transferência de riscos e identificação de deveres específicos ao fornecedor para assegurar a sustentabilidade de forma racional e prudente.

O rol propicia a previsibilidade econômica necessária a precificação dos planos e seguros de saúde.

Ainda, o Relator invocou o viés consequencialista dos operadores do direito (art. 20 a 30 da LINDB) e evidenciou o art. 421, parágrafo único, do CC que diz que a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Nas relações contratuais privadas, prevalecerá o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

O Ministro avaliou que Princípio da sociabilidade e da Eticidade do CC de 2002 devem ser analisados, bem como a validade do pronunciamento da ANS.

Por fim, o Relator fez ressalvas à generalização e mencionou que há categorias de produtos e medicamentos que não precisam estar previstos no rol. Para essas categorias, não faz sentido perquirir acerca da taxatividade ou exemplaridade do rol. Ex: listagem de drogas oncológicas e ambulatoriais, medicamentos administrados durante internação hospitalar e, ainda, ressalvou entendimento do uso off label dos medicamentos.

Os demais Ministros da Turma acompanharam o Relator.

A Ministra Isabel Gallotti complementou que é impossível haver planejamento atuarial se o rol da ANS for considerado exemplificativoe que o rol descreve procedimentos mínimos que devem ser atendidos pela empresa do setor. Assim, nada impede que seja oferecidos produtos com âmbito de cobertura maior.

O acórdão aguarda publicação.